Vírgula antes da conjunção "e": (quando) usar ou não usar?

O uso da vírgula antes do "e" pode causar algumas confusões para quem carrega as lições de pontuação simplificadas que muitas vezes são aprendidas na escola.

,16 de junho de 2020

Existem algumas “regras de português” aprendidas na escola a certa altura que ficam para sempre marcadas em nossa memória como a única forma correta de se escrever algo. O uso da vírgula antes do e, supostamente proibido, é uma dessas regras.

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Não vá pelo ouvido, que ele não entende de vírgula.
(LUFT, 2002, p. 37)

No entanto, quem escreve (ou revisa) em ambiente profissional precisa ultrapassar essas lições simplificadas para não acabar corrigindo o que está certo ou, ainda, inserir equívocos pensando
que está corrigindo.

Vírgula

É um sinal usado em textos gregos e latinos desde mais ou menos 650 d.C. (FISCHER, 2009) para indicar uma pausa.

Atualmente, no português, é um sinal de pontuação usado para indicar a falta (casos de elipse) ou quebra de ligação sintática (deslocamentos, intercalações, coordenações) no interior das frases (LUFT, 2002).

Neste artigo, veremos os casos específicos em que podem ocorrer vírgulas antes da conjunção e.

Quando usar vírgula antes do e

Veja os casos em que a vírgula antes do e é aceita:

Quando o e conecta duas orações com sujeitos diferentes (os destaques mostram os sujeitos das orações):

  1. A guerra mata os filhos[,] e as mães choram desesperadamente.
  2. A mudança se exprime através de tensões graves[,] e destruições de toda ordem a acompanham.
  3. Não há diferença entre culpa leve e grave[,] e a doutrina e os tribunais pouco têm se ocupado em distingui-las.

Exemplos retirados de Piacentini (2015, p. 33).

Quando o e é repetido no início de orações em uma sequência (polissíndeto):

  1. E eles riem[,] e eles cantam[,] e eles dançam. (Ó. Ribas, EMT, 75 apud CUNHA E CINTRA, 2008, p. 661)
  2. Comigo, o mundo canta[,] e cisma[,] e chora[,] e reza[,]
    E sonha o que eu sonhar. (Teixeira de Pascoaes, OC, III, 27 apud CUNHA E CINTRA, 2008, p. 661)

Quando o e tem sentido adversativo (equivale a mas, contudo):

  1. O capitão estava ferido[,] e (=mas) continuou lutando.
  2. São uns incompetentes[,] e (=mas) ocupam altos cargos.

Exemplos retirados de Cegalla (2012, p. 143).

Quando o e é precedido de uma intercalação:

  1. “Silvano Valentino[,] vice-presidente[,] e Vicenzo Barello fizeram duas visitas ...”
  2. “Mulher só[,] de Harold Robbins[,] e O mistério do trem azul, de Agatha Christie.”
  3. “Ficções[,de Jorge Luís Borges[,] e dois livros de Carlos Eduardo Novaes.”
  4. “Imperialismo na América do Sul[,] de Octavio Ianni[,] e Psicologia da arte, de Juan Mosquera.”

Exemplos retirados de Luft (2002, p. 36).

Quando não usar vírgula antes do e

Casos em que devemos dispensar a vírgula:

Quando o e conclui uma enumeração:

  • Várias línguas— francês, italiano, alemão e rético — se falam na Suíça.
  • Eis três mulheres bíblicas: Sara, Rebeca e Lia.

Exemplos retirados de Rocha Lima (2011, p. 317).

Quando o e conecta duas orações com o mesmo sujeito:

  • O médico veio e telefonou mais tarde.

Exemplo retirado de Rocha Lima (2011, p. 235).

Veja que, em geral, a regra que internalizamos para a vírgula antes do e é apenas a que diz respeito a este último tópico de casos em que não se usa o sinal de pontuação com a conjunção.

Contrate um revisor :)

Se esse papo de vírgula parece muito complicado ou chato, saiba que você não está sozinho! No entanto, se estiver escrevendo um texto para ser usado em situação profissional, não arrisque errar nas vírgulas. Fale comigo!

Fontes de consulta

CEGALLA, D.P. Dicionário de dificuldades da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Lexicon; Porto Alegre: L&PM, 2012. (Edição de bolso)

CUNHA, C.; LINDLEY, C. Nova gramática do português contemporâneo. 5. ed. Rio de Janeiro: Lexicon, 2008.

FISCHER, S.R. História da escrita. São Paulo: UNESP, 2009.

LIMA, R. Gramática normativa da língua portuguesa. 49. ed., Rio de Janeiro: José Olympio, 2011.

LUFT, C.P. A vírgula. 2. ed. 3. reimp. São Paulo: Ática, 2002.

PIACENTINI, M.T. de Q. Manual da boa escrita — vírgula, crase, palavras compostas. 2. reimp. Rio de Janeiro: Lexicon, 2015.


Escrito porCarol Machado,
em16 de junho de 2020.
Mestra em Ciências da Linguagem na Universidade Nova de Lisboa. Graduada em Letras pela PUCRS. Revisora desde 2008. É autora do Manual de Sobrevivência do Revisor Iniciante e coautora do Revisão de Textos Acadêmicos - boas práticas para revisoras, estudantes e a academia.
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