"Você pode dar uma olhadinha nesse texto?"

Muitos se indignam ao receberem pedidos de “olhadinha”, “lidinha rápida”, entre outras propostas irrecusáveis desse tipo. Como lidar com essas situações?

,26 de outubro de 2018

Muitos se indignam ao receberem pedidos de “olhadinha”, “lidinha rápida”, entre outras propostas irrecusáveis desse tipo. Bom, quem nunca sofreu com o desconhecimento do que faz profissionalmente que atire a primeira pedra. É irritante mesmo. Ainda mais porque geralmente vem acompanhado de pedidos como “me faz um precinho camarada”, “não me cobra um [insira o órgão do corpo]” etc.

Corta para a parte boa.

O nosso papel aqui é, sempre que encontramos um problema, pensar em soluções. Refletindo sobre o assunto, imagino que talvez não passe pela cabeça desses profissionais que os clientes muitas vezes de fato não têm ideia do que fazemos, quanto tempo levamos para fazer, como é feito. Sejamos francos: muitas vezes nem o próprio revisor sabe.

Uma de nossas obrigações é aprender a sermos profissionais para também mostrarmos aos clientes o que um revisor profissional faz. Não é lidinha, não é olhadinha. Isso é para não profissionais. É trabalho sério. Não é bico. Não é alguém que “manja tudo de português”, mas sim alguém que estuda todos os dias, busca atualização, sabe o que está fazendo.

Então, qual é a parte boa mesmo?

A parte boa é que, se você for seguro o suficiente para mostrar o caminho das pedras para o cliente, ele entenderá com que tipo de profissional está lidando. E ser um bom profissional também envolve saber mostrar as próprias habilidades, explicar o contexto da revisão dentro de cada tipo de necessidade.

Para trazer esse papo para a realidade, vamos tomar como exemplo um cliente de revisão editorial. Vamos pensar que o cliente João está começando na área editorial e não sabe muito bem ainda o que faz o revisor. Só sabe que precisa de um. E entrou em contato com vocezinho aí.

Não pense que João não é um ótimo cliente potencial. Você precisará, sim, transformá-lo em cliente real. Para isso, deverá dizer para o João que não existe “só” revisão durante a construção de um livro. Existe também preparação, que é um trabalho diferente e essencial. Existe a revisão de prova, que só aparece lá depois da diagramação. Você é quem vai contar para ele que revisão em Word e em PDF/papel são coisas diferentes, uma vez que analisam aspectos diferentes. E ensinará também o que é “conferir/bater emendas”, depois, é claro, de deixar claro o que é uma emenda.

Cliente informado, cliente feliz.

Informação [além da propaganda] é parte insubstituível da alma do negócio. Quanto mais capaz de mostrar o valor do seu trabalho para o cliente, quanto mais entendimento ele tiver do que é possível esperar de você, maior será a confiança desse cliente em você. Mostre o que o seu trabalho tem de diferente do trabalho de R$ 1,00 por lauda. Aliás, você já pensou o que o faz diferente da concorrência? Trabalho de qualidade não é diferencial, é obrigação.

Você, nesse tempo dedicado a explicar ao João como é o seu trabalho, deu uma aula sobre uma das partes da linha de produção editorial. Ele já deveria saber tudo isso antes de começar a trabalhar nessa área? Em um mundo ideal, sim. Mas não se esqueça de que esta aqui é a vida real e o mercado editorial (só um exemplo) não é perfeito (qual é?).

Corta para a parte não tão boa.

Vai existir cliente que não quer entender, ou se faz de maluco para conseguir revisão baratinha, só olhadinha? Ou que dispensa preparação porque o revisor tem a obrigação de pegar todos os erros em uma leitura? Claro que vai. Mas esse não é, nem de longe, o cliente que um revisor profissional quer para si, certo?


Escrito porCarol Machado,
em26 de outubro de 2018.
Mestra em Ciências da Linguagem na Universidade Nova de Lisboa. Graduada em Letras pela PUCRS. Revisora desde 2008. É autora do Manual de Sobrevivência do Revisor Iniciante e coautora do Revisão de Textos Acadêmicos - boas práticas para revisoras, estudantes e a academia.
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