O que é uma boa revisão
Que critérios você usaria para definir uma boa revisão? Que pistas podemos seguir para estabelecer que um texto está livre de erros? Definir o que é uma boa revisão, hoje, é fazer mais perguntas do que obter respostas.
— Carol Machado, 7 de fevereiro de 2019

Você já parou para pensar que tipos de critérios são usados para definir o que é uma boa revisão? Eles existem? Onde vivem? De que se alimentam?
No ano passado lancei um formulário de cadastro para revisores para que pudesse ter alguns contatos caso a demanda de trabalho fosse maior do que pudesse dar conta. No fim dele, propunha que a pessoa revisasse um texto de uma página como um teste simples. “Simples”, pensei.
Um dos meus objetivos era dar um feedback a todos que fizeram o teste, porque seria uma forma de valorizar o tempo que a pessoa disponibilizou para aquela tarefa. O que não imaginava é que testes podem ser bastante complicados para quem avalia.
Os critérios a adotar na avaliação foram o primeiro e maior desafio. Como definir uma forma de comparar quem foi bem e quem não foi tão bem na tarefa? Afinal, o que define uma boa revisão?
Definir o que é uma boa revisão, hoje, é fazer mais perguntas do que obter respostas
Antes mesmo de começar a corrigir os testes, surgiu uma série de questões:
- Avaliar o que foi feito ou o que deixou de ser feito, mas precisava ser feito?
- Penalizar quem mexeu no estilo do texto?
- Exaltar quem conseguiu o melhor resultado com o menor número de intervenções?
- Restringir a análise a questões puramente gramaticais?
Diante dessas perguntas, foi preciso fazer escolhas. Definir critérios e segui-los o mais fielmente possível.
Com inspiração no trabalho do pessoal do projeto Transmit e adaptando os critérios usados em avaliação de qualidade de traduções, encontrei um norte que poderia guiar meu trabalho. Assim, foram estabelecidos cinco critérios:
- Ortografia
- Pontuação
- Gramática
- Adequação vocabular
- Pesquisa e padronização
Os critérios de gramática, pontuação e ortografia são comuns, por isso acredito que não gerem dúvidas. Pontuação e ortografia foram separados do item de gramática porque em geral têm mais peso que outras questões gramaticais no ponto de vista do cliente.
Já a adequação vocabular diz respeito principalmente à repetição de palavras (algo muito importante para os clientes que tenho na casa) e uso das palavras semanticamente adequadas ao contexto.
Em pesquisa e padronização, apontei erros de grafia em nomes próprios (pois aqui lidamos com textos jornalísticos e muitos nomes), bem como uso padronizado de maiúsculas e minúsculas, itálico ou outros destaques.
Avaliar regularidades ou irregularidades?
Depois, era preciso avaliar o que foi feito (mudanças nos textos) ou o que não foi feito (pontos que precisavam ser modificados e não foram). Escolhi o segundo pelo seguinte motivo: como atividade subjetiva e até mesmo criativa, cada revisão é única. Isso quer dizer que cada revisor pode encontrar diferentes soluções em relação ao mesmo problema.
Optei, então, por trabalhar com o que seria sempre regular; como a base de trabalho (texto) era a mesma para todos, apresentando a mesma dificuldade, assim seria possível entender os pontos fortes e fracos de cada um.
Essa forma foi a mais justa que encontrei para avaliar os mais de 70 testes que recebi. Não creio que tenha chegado a uma fórmula mágica, mas me parece um início promissor para a construção de algo melhor no futuro.
Por que ninguém até hoje se atreveu a definir o que é uma boa revisão
Ainda não li um texto que chegasse à clara conclusão sobre o que é uma boa revisão. Alguns autores já definiram o que entendem ser revisão de textos e alguns critérios para fazer uma revisão.
O que vejo, no entanto, é que não há de fato um fio condutor que oriente quem chega ao mercado sobre o que é preciso aprender, como aprender. Do lado do cliente, não há indicadores que possam orientá-lo na avaliação do trabalho profissional.
E é normal que seja assim. A língua não é lógica, fixa, objetiva. Ela flui conforme o contexto, o autor, o leitor. Veja como Marco Neves descreve esse dinamismo de uma forma bonita e muito melhor do que eu poderia um dia fazer:
Se olharmos de fora, todas as línguas são estranhas, são mecanismos espantosos, criados ao longo de séculos sem que ninguém planeie as suas estruturas ou os recantos emaranhados – a complexidade de cada língua nasce da interacção de milhões de falantes; é um sistema feito de hábitos antigos, regras que começam a cristalizar-se e, depois, a desfazer-se, metáforas que se tornam palavras correntes, palavras correntes que se tornam parte da gramática… As línguas nunca estão paradas, e é espantoso ver como estes mecanismos cerebrais se vão recriando, destruindo e construindo continuamente ao longo dos tempos, como nuvens de beleza estonteante – e que, ainda por cima, nos deixam comunicar uns com os outros ou apenas dizer o que nos vai no corpo.
De qualquer forma, quando trabalhamos com alguma coisa, qualquer coisa, precisamos de mecanismos que nos deem pistas a respeito do nosso desempenho em determinada tarefa. E isso ainda inexiste formalmente, até onde sei, na revisão.
O que aprendi corrigindo testes de revisão
Como essa foi uma atividade bastante nova para mim, encontrei nela uma oportunidade de parar e pensar quais são minhas “picuinhas linguísticas”, refletir sobre o que meus clientes de revisão mais exigem e ainda entender como eu poderia avaliar pessoas que ao mesmo tempo são tão diferentes, mas compartilham um mesmo interesse, um mesmo objetivo.
E assim percebi algumas coisas importantes:
- Fazer testes baseados em textos reais, quase sem inserção de erros propositais, é muito difícil. Entretanto, também mostra com mais fidelidade quem tem alguma noção do riscado.
- Precisamos, sim, de padrões de qualidade de revisão pelos quais nos guiar.
- Nós somos inevitavelmente mais julgados pelo que deixamos de fazer do que pelo que fazemos no texto.
Por fim, você pode baixar o gabarito que usei nas avaliações.