“Num” (em + um) não é uso informal – e posso provar

“Num” não é uso informal. Neste artigo você vai entender e ver quais são as lições dos gramáticos a respeito dessa contração.

,19 de junho de 2020

“Num” (em + um) não é informal. Eu não sei de onde saiu esse mito, mas é algo que parece extremamente difundido entre revisores de texto e “amantes da língua portuguesa” em geral. Estranho, mas é normal que essas bobagens ganhem destaque sem que tenhamos noção de onde vieram.

Quando postei no Instagram o texto “Justiça para o ‘num’. É correto. É elegante. Economiza espaço. Parem de preconceito com o pobre ‘num’!”, já sabia que veria alguma polêmica se formando, mas minhas expectativas foram superadas. Tive mais de cem comentários – alguns apoiando o uso, outros dizendo que não gostam, outros ainda dizendo que sempre removem o “num” dos textos.

A esses últimos, gostaria de dedicar este texto. Lembre-se de que, nos seus textos, você tem a liberdade de escolher a forma de que mais gosta, sem problema nenhum. No texto dos outros, convém respeitar as escolhas lexicais corretas daquele que redigiu. Não cabe a você alterar ou apagar a vontade do autor em situações em que não há inadequação.

Não é errado escrever ou falar “num”

“Num” (em + um) não é errado, tampouco inadequado ou considerado informal por gramáticos. Como gosto de sempre embasar o que afirmo em fontes gramaticais, aqui vai um apanhado do que pude encontrar em diversas obras assinadas por nomes que você provavelmente já conhece. Veja:

Num, em um. É indiferente o uso de uma ou de outra forma: Mora num (ou em um) sítio pitoresco. / Entrou numa (ou em uma) joalheria. As contrações num e numa são preferíveis, por mais eufônicas. Comparem-se com nele, nela, neste, nesta, nesse, nessa, naquele, naquela, nisto, nisso, em que a contração é obrigatória. (Cegalla, no Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa, página 290, 2012)

Com o artigo indefinido um (uma, uns, umas) podem, outrossim, formar corpo as preposições de e em:
de + um = dum (duma, duns, dumas)
em + um = num (numa, nuns, numas). Diz-se, pois, igualmente bem: de um ou dum / em um ou num. (Rocha Lima, na Gramática Normativa da Língua Portuguesa, página 233, 2011)

Combinação e contração com outras palavras – Diz-se que há combinação quando a preposição, ligando-se a outra palavra, não sofre redução. […] Diz-se que há contração quando, na ligação com outra palavra, a preposição sofre redução. As preposições que se contraem são: […]
Em
[…]
2) com o artigo indefinido: em + um = num; em + uns = nuns
em + uma = numa; em + umas = numas
(Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa, [tenho apenas o e-book], mas demonstra as contrações em capítulo dedicado às preposições, 2009)

COMBINAÇÃO: Já vimos algumas combinações de preposições; essas, e outras que serão consideradas no momento oportuno aqui estão resumidas: […]
EM + artigo: no(s), na(s), num, numa, nuns, numas
(Napoleão Mendes de Almeida, na Gramática Metódica, página 339, 1999)

Note-se que a distinção entre contração e combinação feita por Bechara não encontra eco na lição de Napoleão, que trata tudo como combinação mesmo.

Outras questões interessantes sobre o uso de “em” + artigo

A Nova Gramática do Português Brasileiro não traz explicitamente muitas questões formais (relativas à forma) das preposições, mas destaco esta passagem, por trazer uma explicação sobre a transformação de em em ni na fala:

No caso de em, em processo de substituição por ni, temos um caso de regularização morfológica. A preposição em dispõe de uma forma de base, o ditongo nasal [ẽy] e das formas amalgamadas no, na, num, numa, de que ni representa uma sorte de neutralização da categoria de gênero. (Ataliba Castilho, Nova Gramática do Português Brasileiro, página 590, 2019)

Quando a ortografia da língua, já agora chamada de português, foi fixada, as palavras terminadas em -n passaram a ser escritas com -m, razão pela qual escrevemos hoje em, num, homem, som, com etc. É por isso que muitas pessoas confessam não entender por que em + o = no, quando deveria ser algo como “emo”. […]
Também é por isso que muitas pessoas, partindo das formas no, na, nos, nas, num, numa etc., deduzem delas a preposição ni (“Eu moro ni Brasília”). (Bagno, na Gramática pedagógica do português brasileiro, página 274, 2012 – contribuição do colega Iuri Pavan)

Menção especial: embora Said Ali trate das preposições sem mencionar as combinações possíveis entre elas e os artigos, na sua gramática histórica o autor usa tanto num, numa quanto em um, em uma – obra escrita entre o fim dos anos 1920 e início dos anos 1930.

Uma forma abonada por gramáticos de diversas vertentes

Destaco também que todos esses gramáticos aqui citados não só descrevem essa contração como a usam em seus textos. E há texto mais formal que o das gramáticas normativas?

Ocorre contração quando a preposição, ao unir-se a outra palavra, sofre modificações em sua estrutura fonológica. As preposições de e em, por exemplo, formam contrações com os artigos e com diversos pronomes, originando formas como as seguintes:
do dos da das
num nuns numa numas
naquele naqueles naquela naquelas
disto disso daquilo
(Pasquale e Infante, na Gramática da Língua Portuguesa, página 315, 2008)

¹num (1450-1516 cf. CGer)
contração
1 no interior de, junto de, em algo indeterminado ou que é mencionado pela primeira vez ‹ponha isto n. frasco fechado› ‹n. terra distante vivia um rei›
2 no interior de, junto de, em algo indeterminado, mas pertencente a uma classe ou categoria já mencionada em outra oração ‹cedeu o apartamento ao irmão e ficou n. que o sogro lhe deu›
3 em um único ‹fez n. dia o que não fazia no mês› (Houaiss Online)

Como você pode ver, a informalidade no uso de “num” parece ser mais um caso de mito gramatical infundado que não resiste à abertura de uma gramática (até mesmo das didáticas, como é o caso de Pasquale e Infante).

A conclusão a que se chega aqui é: se nem mesmo os autores normativos fazem ressalva quanto ao uso do num (em + um), por que seremos nós? Por fim, creio que possa, sim, ocorrer uma confusão de usos, com o num como forma alternativa a não, que recebe a etiqueta de “informal” no Houaiss:

²num
advérbio infrm.
m.q. não

Portanto, não confunda! 😊

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Escrito porCarol Machado,
em19 de junho de 2020.
Mestra em Ciências da Linguagem na Universidade Nova de Lisboa. Graduada em Letras pela PUCRS. Revisora desde 2008. É autora do Manual de Sobrevivência do Revisor Iniciante e coautora do Revisão de Textos Acadêmicos - boas práticas para revisoras, estudantes e a academia.
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