11 perguntas de um estudante de Letras sobre revisão profissional

Nem sempre estudantes têm a oportunidade de conversar com profissionais que já atuam no mercado de trabalho. Veja como respondi!

,26 de junho de 2019

Este post é um pouco diferente do que estamos acostumados a ver por aqui. Há alguns dias, o estudante Silas Silva, que cursa Letras (bacharelado em tradução, interpretação e revisão) na Universidade Metodista de São Paulo, pediu-me que eu respondesse a algumas perguntas para que ele as usasse em uma apresentação na faculdade.

Como achei as perguntas bem pertinentes e interessantes, reproduzo aqui o que respondi ao Silas. Espero que estas respostas sejam de alguma forma proveitosas para você também. 😃

Você revisa textos desde 2008, mas o que a levou de fato a ser revisora?

Já me inscrevi no curso de Letras com essa profissão em mente. Desde o primeiro semestre busquei estágios, pois precisava pagar meus custos de faculdade. Então comecei em 2008 como estagiária de revisão em uma editora de publicações jurídicas em Porto Alegre, quando iniciava o segundo semestre de Letras. Embora tenha passado em testes de revisão e conhecimento em língua portuguesa, no início só fazia controle de fluxo de produção das revisoras (e isso me ajudou bastante a aprender a me organizar!).

revisor de texto corrigindo provas impressas Diga olá para a Carol de 2008. :D

Com o tempo, minha chefe e minhas colegas começaram a me passar alguns trabalhos de padronização de texto e, posteriormente, de revisão. Tudo muito pequeno. Depois de mais ou menos um ano e meio como estagiária e fazendo esses pequenos trabalhos, surgiu a oportunidade de fazer teste para ser revisora júnior. Fiz e passei. Fui efetivada como revisora de textos aos 18 anos. Ne época, revisava notícias de conteúdo jurídico que eram postadas na internet.

Como freela, o primeiro trabalho quem me passou foi uma dessas minhas colegas revisoras que também freelava para uma grande editora de livros técnicos de Porto Alegre. Eu nem sabia como calcular laudas; era apenas uma pequena padawan. 😊

Isso tudo quer dizer que me tornei revisora porque tinha muita vontade, mas também porque tive a oportunidade de aprender com pessoas supercompetentes e extremamente generosas.

Em sua experiência, quais são os erros mais corriqueiros? (Coerência, coesão, concordância, entre outros, por exemplo.)

Acho engraçada essa fixação de todo mundo por erros mais comuns, mais frequentes, mais desesperadores. É algo que sempre perguntam, mas não sei se é real. Não tenho uma planilha onde anoto cada tipo de erro que corrijo (até seria uma boa ideia para poder responder a essas perguntas com mais propriedade).

Talvez a maior dificuldade, mesmo dos clientes que escrevem bem, é conseguir acertar o acento de crase. Também na correria do dia a dia escapam deles algumas concordâncias. Enfim, não são observações muito científicas.

Qual método você utiliza para dar feedback ao cliente quando o texto foi muito mal escrito?

É raro eu receber e aceitar textos nesse estado. Temos aqui uma teoria de que quem escreve muito mal não tem a sensibilidade necessária para entender que precisa de revisão. Mas em geral quando preciso me comunicar com o autor a respeito do texto uso a ferramenta de comentários mesmo, fazendo observações pontuais.

Quando é solicitado um parecer, aí esses comentários viram uma lista ou um texto com observações de acordo com os critérios solicitados pelo cliente.

Você já se recusou a revisar algum texto devido ao próprio teor dele? Ofensivo a alguma classe, político ou religioso?

Não, nunca aconteceu. O assunto possivelmente mais polêmico que já revisei foi religião, embora eu não siga nenhuma.

Claro que ninguém é obrigado a ler 500 páginas de um assunto com o qual não concorda; nesses casos, se você aceitou o trabalho, é preciso ter em mente sobretudo o profissionalismo. Já vi diversas vezes em grupos de revisores pessoas reclamando sobre os textos nos quais estavam trabalhando e achei bem antiético.

O que é imprescindível para um revisor no mundo em que vivemos hoje?

Estudo e estudo. E não só sobre aspectos linguísticos.

O mercado para revisores de texto com carteira assinada é muito restrito hoje no Brasil; quem quer seguir essa carreira provavelmente precisará tornar-se freelancer para conquistar melhores remunerações, então aspectos como empreendedorismo; gestão de tempo, dinheiro e carreira; marketing; e relacionamento com o cliente; etc. precisam, sim, ser estudados por qualquer profissional que queira empreender seu próprio negócio, mesmo que comece bem pequeno.

Você revisa seu próprio texto ou prefere que uma outra pessoa o revise?

Não, não reviso. Quero dizer, em meus textos faço revisão de autor, que nem de longe é a mesma feita pelo revisor. O Manual de Sobrevivência do Revisor Iniciante, por exemplo, teve leitura de três revisores competentíssimos, que me ajudaram a ver muitos pontos que precisavam ser melhorados; não só aspectos linguísticos mas também de conteúdo. Os posts do blog são revisados pelo meu colega Allan Moraes.

Isso porque eu, além de ser humana e sujeita a falhas, acredito que trabalhar com revisores nos põe no lugar do cliente e, quando percebemos como é lidar com revisores e revisões, aprendemos a ser melhores revisores.

Quais conselhos ou dicas você pode dar aos estudantes que pretendem seguir a carreira de revisão?

Corra atrás e não tenha medo de errar. No início as coisas são mesmo difíceis: ninguém nos conhece, as oportunidades são raras, nós não sabemos quanto ou como cobrar, e a lista vai longe. Nenhuma faculdade nos prepara verdadeiramente para o que nos espera aqui fora.

Faça estágios e conheça muita gente. Aprenda tudo o que puder, mesmo que não esteja diretamente relacionado ao seu trabalho. Um revisor que entende como é feita a diagramação de um livro é um profissional melhor. Um revisor que sabe como formatar um post de blog é um profissional melhor, e assim por diante.

Você já revisou uma obra importante ou conhecida?

Minha área principal não é literatura; apenas trabalhei com alguns autores independentes. Então é provável que nunca tenha trabalhado em uma obra que você vá considerar importante ou conhecida.

Em marketing, no entanto, já atendi a clientes como Lojas Renner, Tramontina, Unimed, Itaipu, Sesc/Senac, e mais um tanto de marcas de grande atuação na região Sul.

Qual opção é a mais válida para um revisor no mercado atual: trabalhar em uma editora ou como freelancer?

Ambos são válidos, mas não misturemos alhos com bugalhos. Uma pessoa pode trabalhar como freelancer para editoras e, principalmente, para outros tipos de clientes também.

Sei que a maioria dos revisores entrou na área porque tinha o sonho de revisar o próximo best-seller ou seu autor literário favorito. A realidade é que esse mercado é bem restrito – basta observarmos as editoras que conseguem fazer bom dinheiro com a literatura no Brasil.

Então temos de ver o que é sonho e o que é viável. Existem muito mais editoras de textos técnicos, por exemplo. E existem os clientes acadêmicos. E existe toda a área da comunicação – agora ainda mais aberta devido ao boom do marketing de conteúdo.

Outro ponto importante é que, na minha experiência, editorial é o ramo que paga o valor por lauda mais baixo que já vi. E a razão é até simples: sobra oferta de revisores para a demanda que eles têm de revisão.

Há algumas ferramentas para facilitar o trabalho de revisão, como Xbench e Verifika. Você as conhece?

Já ouvi falar dessas ferramentas no meio de tradução, que tem ferramentas muito próprias. Particularmente não as uso. Trabalho com ferramentas como TextSTAT, checklists e muitas macros de verificação de consistência.

Você pretende escrever outro livro? O que você tem a dizer sobre ele?

Existe em mim a vontade de escrever outro livro, mas por enquanto ando sem assunto. Tenho lido bastante para pensar em tópicos que possam ser interessantes para futuras publicações.

O Manual de Sobrevivência do Revisor Iniciante é uma compilação da minha experiência como revisora que vai além de tratar apenas da língua. Resolvi falar de assuntos que não são abordados em outros manuais de referência, que em geral se detêm a dar exemplos de como alterar textos e falar sobre macetes para aplicar regras gramaticais.

Procuro nele abordar aspectos com que o revisor vai precisar lidar em algum momento e dar ideias de como resolver situações que podem ser complicadas para quem não tem outro revisor mais experiente a quem recorrer na hora do aperto.

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Escrito porCarol Machado,
em26 de junho de 2019.
Mestra em Ciências da Linguagem na Universidade Nova de Lisboa. Graduada em Letras pela PUCRS. Revisora desde 2008. É autora do Manual de Sobrevivência do Revisor Iniciante e coautora do Revisão de Textos Acadêmicos - boas práticas para revisoras, estudantes e a academia.
Foto deCarol Machado