O revisor e seus TOCs

Vez ou outra trabalho como redatora. Vez ou outra tenho que lidar com a revisão dos meus textos. O que dá para notar é que cada revisor tem seu transtorno obsessivo compulsivo. Até certo ponto isso é normal. Não é? (Correndo para a terapia.)

,2 de junho de 2020

Vez ou outra trabalho como redatora. Vez ou outra tenho que lidar com a revisão dos meus textos. O que dá para notar é que cada revisor tem seu transtorno obsessivo compulsivo. Até certo ponto isso é normal. Não é? (Correndo para a terapia.)

O que não podemos deixar acontecer é que as nossas obsessões gramaticais interfiram na autoridade do autor sobre a criação dele. Nós estamos ali para lapidar o que pode (e é de desejo do autor) ser melhorado. Trocar uma palavra utilizada corretamente por uma que você “gosta mais”? Fora de cogitação. Às vezes, o óbvio precisa ser dito.

Uma obsessão comum é o impulso de sair trocando palavras repetidas. A gente adora um sinônimo. Bem, é um impulso legítimo, mas será que não estamos interferindo em algo que pode ter sido feito de caso pensado? Lembremo-nos de que não existe sinonímia perfeita, então, podemos estar, sim, estragando o texto alheio na tentativa de melhorá-lo. Claro que nesses casos as ferramentas de comentários estão à disposição e os bons revisores sabem disso. Peço atenção aqui para que reflitamos melhor antes de achincalhar um texto porque ele está crivado de repetições (assim como o meu).

Outra obsessão é o preconceito com alguns tipos de formações de palavras. “Gerúndio? Queime-o em praça pública!” — ainda que o problema seja mesmo o gerundismo — ou “Advérbio terminado em -mente? Nem passam perto dos meus textos!” Gente, como assim? Todas as formas são legítimas quando bem utilizadas. O gerundinho está na nossa língua até hoje, pois cumpre o papel dele. O mesmo para os advérbios. Repito: deixe os gostos pessoais para seus próprios textos.

Redatores, evidentemente, também têm seus vícios. Nosso papel é apontá-los, e não condená-los. Revisor que bate pé na alteração do texto alheio pode ser muito legal na teoria, mas, na prática, pode ser muito chato.


Escrito porCarol Machado,
em2 de junho de 2020.
Mestra em Ciências da Linguagem na Universidade Nova de Lisboa. Graduada em Letras pela PUCRS. Revisora desde 2008. É autora do Manual de Sobrevivência do Revisor Iniciante e coautora do Revisão de Textos Acadêmicos - boas práticas para revisoras, estudantes e a academia.
Foto deCarol Machado